quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Estupro Conjugal

"E quando eles voltam, sedentos 
Querem arrancar, violentos
Carícias plenas, obscenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos
Bravos guerreiros de Atenas" - Mulheres de Atenas, Chico Buarque






Nós mulheres crescemos ouvindo que "homem precisa fazer sexo todos os dias, sempre que desejar." Muitas de nós aprendemos a aceitar e até nos forçar a realizar os desejos de nossos companheiros, maridos ou namorados. Mas até onde é só uma transa sem muita vontade que acaba até sendo boazinha no fim das contas? Onde começa o limite da violência?
Eu falo com muita sinceridade, não gosto e não faço sexo sem vontade, por mais frustrado que possa deixar meu (minha) parceir@.  Nunca fui desrespeitada, nenhum d@s parceir@s que tive até hoje me forçou a fazer sexo sem vontade. Mas sei que existem mulheres que passam por essa violência todos os dias no Brasil e no mundo.
Acostumamos a acreditar que é obrigação da mulher satisfazer as vontades de seu marido, esquecendo de suas próprias vontades. Com isso, muitas mulheres sofrem caladas o estupro conjugal, que pode ocorrer com ou sem violência física, em muitos momentos a violência psicológica é o bastante ou até mais forte que a física ("se você não fizer procuro em outro lugar!" entre outras frases muito piores).
O que se precisa entender é que, quando um homem força sua companheira, esposa ou namorada a fazer sexo com ele, ele não está exigindo algo que é obrigação dela para com ele. Ele está violando-a e essa violação dói mais do que se fosse com um desconhecido. Nenhuma mulher merece passar por um trauma desses, ainda mais dentro da própria casa, feito por uma pessoa que deveria ser confiável, afinal dorme ao seu lado todas as noites.
De acordo com a minha consultora jurídica (a.k.a. minha irmã Lia Maria Manso Siqueira), para o código penal, o cônjuge pode sim ser julgado por estupro. Mas existe na lei civil o conceito de "débito conjugal", onde os cônjuges tem a obrigação de ceder seu corpo a satisfação sexual mútua. Ou seja, o débito conjugal não poderia ser visto como estupro, presumindo automaticamente o consentimento do ato sexual pelo cônjuge.
Também de acordo com o que a Lia me disse, a melhor doutrina e jurisprudência entendem pela inexistência do débito conjugal, e assim, pela possibilidade de estupro entre cônjuges desde que a relação não seja consentida.
Mas, o que eu quero mostrar ao falar de legislação é que, por mais que o débito conjugal sirva para ambos os cônjuges, sabemos que não é normal ver histórias onde o marido seja forçado a fazer sexo com sua esposa. A sociedade é machista, nossas leis são um reflexo de nossa visão de mundo. No texto Da Violência Sexual Intra-matrimônio: Entendendo o Débito Conjugal no Mundo Hodierno de Bárbara Martins Lopes, no Brasil, 54% dos estupros são cometidos pelo marido.
E estamos falando de uma pesquisa, sabemos que muitas mulheres mentem, outras não aceitam fazer parte dessas pesquisas, seja por vergonha ou por acreditar que é obrigação dela satisfazer seu companheiro.
E não, a culpa não é do débito conjugal, até por não ser usado mais pela maioria dos advogados. A violência existe muito além de um trecho do Código Civil, existe em nossas mentes, na educação que damos aos nossos filhos, no machismo que ainda perpetuamos com frases, atitudes e falta de atitudes no nosso dia a dia. De nada adiantaria modificar o Código Civil e acabar com o débito conjugal se ainda existir mulheres sofrendo por causa dessa violência caladas.

2 comentários:

  1. Tô pasma com essa história de "débito conjugal"!

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  2. Pois imagina como eu fiquei quando conversei com a minha irmã? Mesmo não sendo mais utilizada, não foi modificado, isso é triste demais!

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